O melhor artesanato setubalense está na feira

Esculturas com pedra da Arrábida, taças de barro personalizadas, bijuteria de autor, bicicletas recuperadas e cervejas artesanais: há uma mão cheia de bons motivos para passar pela Mostra de Artesanato da Feira de Sant’Iago.

Joaquim Viegas, de 74 anos, só faz este artesanato há sete, mas já perdeu a conta à quantidade de vezes que lhe perguntam “de onde vem a pedra que utiliza nas suas esculturas?” A resposta é simples: da brecha da Arrábida, uma rocha clástica de origem sedimentar que se encontra apenas na Serra da Arrábida, em Portugal, e provavelmente não tem paralelo em mais nenhum lugar no mundo. “Mas não vou lá buscar uma única pedra”, assegura o artesão. “Isto são restos que vou arranjando nas oficinas de mármore de Sesimbra”. Lá, cortam-lhe a pedra em blocos do tamanho que precisa e é a partir deles que trabalha, desenhando na pedra e cortando-a com pequenas máquinas rebarbadoras. “Depois aperfeiçoo o desenho com fresas diamantadas”, continua, apontando para as fotografias que decoram o stand Pedra da Arrábida. A textura polida é obtida com lixas debaixo de água e o resultado está à vista: peças para colares (com respetivos fios) e um sem-número de esculturas com vários motivos, de animais a embarcações. Tudo tão perfeito que custa acreditar que tenha nascido de uma pedra tão bruta. Quem quiser pode tocar num pedaço original para sentir a diferença e a particularidade deste recurso natural que, uma vez protegido pelo Parque Natural da Arrábida, continua a ter valor graças ao artesanato.

Coincidência ou não, o responsável pela única olaria de Setúbal em funcionamento também se chama Joaquim. Joaquim Mateus. É ele que, tendo herdado do falecido pai a olaria, fundada nos anos 1960, assegura hoje a continuidade do negócio, tradicional e familiar, com a ajuda de mais dois irmãos. Teme pelo futuro do ofício - “não temos seguidores”, lamenta –, mas por estes dias sempre tem motivos para sorrir ao ver muitos clientes comprarem tachinhos de barro com os respetivos nomes. As peças estão arrumadas em prateleiras e têm mais de 400 nomes, todos compilados numa lista em papel. “Também temos barquinhos em barro, assa-chouriços, caçarolas, jarros para o vinho e cântaros”, enumera o oleiro. “As pessoas já não consomem a loiça de barro como há uns anos”, mas na Feira de Sant’Iago lá vão comprando, sem saber, provavelmente, que esta olaria é a única que ainda subsiste na cidade.

O ambiente é mais florido no stand de Telma Santos, decorado quase como uma pequena sala de receber visitas. Um toque feminino que rapidamente se percebe ao olhar para a bijuteria delicada que ali vende. “São peças artesanais inspiradas na flor da Arrábida. A ideia nasceu durante algumas visitas à serra, quando percebi que havia flores que passavam um bocadinho despercebidas, como a esteva, a papoila e a sargacinha. As peças são moldadas num material semelhante à pasta de papel e pintadas à mão”, explica Telma. Vende brincos, colares e pregadeiras, tudo feito à mão e em peças únicas.

As bicicletas que o marido, Miguel Albon, vende na Binarte também são autênticas relíquias. E ninguém lhes fica indiferente, basta ver as reações de quem entra no stand para admirar as pasteleiras dos anos 1960, 1970 e 1980 que Miguel e o seu sócio, Ricardo, recuperaram na oficina deles em Cajados (concelho de Palmela). A primeira bicicleta que restauraram foi a do avô de Ricardo. Daí a criarem a Binarte em 2017 foi uma pedalada curta. De tal forma que hoje se dedicam ao projeto restaurando “binas” sob duas formas: devolvendo-lhes o aspeto original, ou “brincando” já com um ou outro pormenor mais moderno, sem desvirtuar o figurino antigo da bicicleta. “Temos mais liberdade nas bicicletas de senhora por causa dos acessórios”, explica Miguel. Quem quiser tirar ideias pode ver bolsas, campainhas, punhos, luzes e outros acessórios. No stand, também vende bicicletas dobráveis, para crianças.

No espaço do Charroque da Prrofundurra, a brincadeira é outra. Brinca-se com o mais querido dialeto setubalense – o charroco –, à boleia de um projeto da autoria de Rui Garcia, que começou como “uma brincadeira” e hoje já é uma marca de merchandising sadino digna de registo. Tem livros, t-shirts, postais, aventais, sweatshirts e crachás. Os livros homenageiam o sotaque dos “rrs” com um conjunto de histórias ancoradas nas lidas da pesca e da cidade vividas por uma personagem típica; e nas t-shirts destaca-se uma edição limitada e numerada de 100 exemplares, com serigrafias, em que a roupa bem numa grelha de assar peixe, com um crachá. O último produto desta onda de orgulho sadino são as cervejas artesanais Charroque da Prrofundurra, produzidas em parceria com a Sadina (presente na rua dos produtos regionais). “É uma cerveja belga, está à venda desde abril e está a correr muito bem”, partilha Rui, satisfeito.